16 maio, 2011

Profissão Dentista

Ser dentista pode ser mais interessante do que se imagina, da até para contar umas histórias e dar umas risadas.


Tem paciente de tudo quanto é tipo, desde o colaborador, o falante, o medroso, o mentiroso, o hipocondríaco, o dono da verdade, o ignorante, o tarado, o atrasado e por ai vai. Tem paciente carente, que vai no consultório para conversar, contar as angústias, desabafar, chorar.

Tem paciente que finge ter dor. Ai você finge que cutuca, pergunta se dói e voilà!
- “Dói doutora!”.
Ah-hãn.

Ter pavor de dentista não é uma coisa muito incomum. Diria que 80% dos pacientes que sentam pela primeira vez na minha cadeira alertam “tenho horror á dentista”. E da anestesia então?! Praticamente todos abominam a injeçãozinha.
Ok, até concordo que não é nada agradável, mas antes tomar uma agulhadinha do que sentir uma dor insana por todo o procedimento! E olha, quando eu digo que tem louco pra tudo, é verídico. Teve até paciente que já pediu “Doutora, não quero anestesia não! Trata o canal sem anestesia mesmo.”
Hã???

O paciente (importante frisar que era do sexo masculino) precisava fazer a extração de um dente que estava, cá entre nós, um bagaço. Comecei pela anestesia.
Pra resumir bem a história, o paciente chorava (literalmente e como criança), esperneava, tremia que nem vara verde, e entoava aos prantos“Você esta judiando de mim! Você está judiando de mim!” com a maior mágoa no coração. A cena foi tão real, que por alguns instantes quase acreditei nele. E eu estava só na anestesia...

Tem aquele tipo de paciente que já chega ao consultório com o diagnóstico e o tratamento para o problema dele. E ai de você se discordar.
- “Doutora, o meu dente quebrou. Quebrou porque tinha uma ruga nele.”(????). Olho no espelhinho e o dente era um ninho de cáries. O estrago da cárie foi tanto que não dava nem pra tratar canal, ou fazer uma coroa, nada! Era extração de cara.
-“Doutora, eu quero só que você coloque uma massinha”
 Não dá, querido. Tem que extrair.
- “Mas eu não quero extrair”
Tem que extrair.
- “E quem é você para me dizer que eu tenho que extrair meu dente? Que autoridade você tem para condenar meu dente?”
A dentista!?!?!? Por que você não procura um mecânico para ele dizer o que você deve fazer com seu dente?
- “Você tem filhos? E se seu filho estivesse em coma em uma cama de hospital vegetando, você desligaria os aparelhos que mantém ele vivo?”
Colega, passar bem...



Tem paciente que acha que você trabalha no SUS. Ou acha que você nasceu ontem. Ele entra no seu consultório vestindo um terno puído de quinta e uma maleta, com toda pinta de executivo (na verdade só ele acha isso). Fala, fala, fala, para te deixar atordoada. Ele te diz o problema, você passa o orçamento e ele na maior cara lavada diz que não tem dinheiro e pede para você tratá-lo de graça.
Quando você se nega o sujeito “lembra-se” que tem um cheque de um amigo no bolso... em branco. 
-“A Doutora aceita cheque?”. 
Sim. Mas preciso dos dados do dono do cheque.
E o paciente não tem dados nenhum, nem um número de telefone. Do amigo.
Sei.

Tem aquele paciente simplesinho, mas que te faz ganhar o dia com umas pérolas!
-“Dra, to com uma dor aqui no fundo. No marreco. Acho que é distração.”
(Um momento de reflexão e interpretação...Falhou.)
Olha-se pelo espelhinho e conclui-se: é o siso e precisar ex-tra-ir.
-“Isso Doutora! O cisne. Cisne e marreco... tudo a mesma coisa!”

Outro. Na anamnése você faz perguntas básicas sobre tratamento médico, problemas de saúde, remédios que toma.
- “Ahhh Doutora, faz um mês que eu tirei a penis.”
Oh my God! Jurava que era uma mulher.
- “Foi cirurgia de emergência... podia estourar.”
Ah! O apêndice.

Tem aqueles pacientes com fé. Muita fé. Procedimento padrão da clínica é alertar o paciente sobre os riscos do tratamento e documentar.

#euacredito

Tem aquele paciente que você atende e fica o resto do dia pensando nele. E não é pra menos... O paciente é um chinês (da China mesmo), dono de pastelaria, fumante compulsivo, e que não usa desodorante ou se quer tem o mínimo de higiene oral. Imagine o perfume: gordura, pastel, cigarro, cecê azedo, suor, mau hálito.
Confesso que não dei conta. Pedi penico e depois de tantas sessões (até onde suportei), o passei para outra dentista.

Tem as pacientes senhorinhas. As mais fofas! Na páscoa te dão chocolate, no seu aniversário te dão sabonetes da Natura.

A paciente senhorinha, unhas feitas, de vestidinho, cheirosinha, vem com a filha solteirona na clinica. Mas quando estamos a sós ela confessa: “Quero arrumar um namorado. Mas como vou namorar se minha filha não namora?”. Linda! Não quer deixar a filha pra titia.


Tem os micos também. A secretária me entrega uma ficha de paciente nova para fazer avaliação. Nome: Fátima*.  Vou até a recepção, olho, só vejo um moço. E questiono a secretária: “Cadê a paciente?”. O moço na sala de espera ri.
Ele é ela. Na verdade a Fátima é uma menina que quer ser um menino. E conseguiu.
Mas como eu ia saber disso?

Às vezes a gente fala demais. O Edgar* tem alguns probleminhas congênitos; uma perna mais curta, problema nos rins e um leve atraso. Na consulta, papo vai e papo vem. Passo a pomadinha que antecede a anestesia para aliviar a picada da agulha.
-“Doutora, isso é xilocaína, né?!”
É!(como ele sabe o nome?)
-“Eu uso em mim também.”
- Pra que? (Não. Não acredito que eu perguntei isso em voz alta! Da pra voltar no tempo pra eu calar a minha boca?)
O paciente fica sem graça e ri.
(Ahh meu Deus! É isso mesmo que eu to pensando...)
- “Eu tenho que usar sonda por causa do rim. Eu mesmo que coloco a sonda pela uretra. É pra isso.”
Ufa! Aprende a ficar quieta Mariana.

Uma vez uma amiga me confessou que não conseguia entender o que levava alguém a ser dentista. Cheguei à conclusão que podem existir muitas respostas para essa pergunta. Tem quem decida se tornar dentista só para ser chamado de Doutor (a).
Tem gente que opta pela odontologia por status. Ou por dinheiro. Mas já foi a época que era fácil enriquecer na odontologia. Hoje em dia ser dentista não é mais sinônimo de ter MUITO dinheiro, mas de trabalhar muito.
Tem quem escolhe a profissão por influência. Tem pai, mãe, parentes dentistas. Consultório montado já esperando pra trabalhar. Facilita.
E tem os frustrados, que na verdade queriam ser médicos e não conseguiram passar no vestibular.
Nenhuma dessas foi minha razão em me tornar dentista. Quando adolescente me encantei com a profissão quando freqüentava um consultório mensalmente (aparelho fixo nos dentes). E hoje faço o que faço porque gosto. E muito.

Olha pra você que reclama de dentista, da uma chegada na Índia pra ver como as coisas funcionam por lá. Ou melhor, se tiver estomago veja o vídeo abaixo:




E olha, infelizmente (pra mim felizmente), todo mundo precisa de um dentista. Não se meta a se auto-diagnosticar, auto-medicar e auto-tratar. Não dá certo. E não tentem isso em casa:






Ossos do ofício. 
Dentes do ofício.
 
(* os nomes foram trocados para proteger a indentidade do paciente)

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